A TERRA VERMELHA, O VENTO QUENTE VINDO DE LESTE NA MINHA MEMÓRIA OS VELHOS BINÓCULOS ZEISS PROCURAVAM TESOUROS DO CAPITÃO KID OU UM MOSQUITO NAS DESERTAS. A PERSPECTIVA DE CARLOS ALBERTO MONTEIRO
domingo, 19 de maio de 2013
TARDE DE JOGO
No velhinho campo, debruçado sobre a praia de calhau, jogava-se! Possivelmente seria Domingo... possivelmente! Ainda os caminhos davam voltas e mais voltas, ainda as tardes eram tardes de sestas, de dormitar à sombrinha de uma velha ameixeira, enquanto se olhava o horizonte. Ao longe, o sino da igreja, incomodado, badalava em desenfreado concerto chamando os fieis e pecadores.
quarta-feira, 8 de maio de 2013
MILHO BRANCO, ALVO E NEGRO
Milho branco,
alvo e negro
Quando Maria de
Jesus deu conta que não tinha milho suficiente para o almoço do marido e das suas
duas filhas, resolveu pedir ao Manuel seu companheiro que fosse à vila, à venda
do Freitas para comprar.
Foi ao frasco
de Tofina onde guardava as pequenas moedas, tirou uma nota de 20 escudos que
era o que restava. Lá em casa, havia que dar de comer às pequenas Joana, de
quatro anos que eu apelidava de Juanita e Salete, de sete.
Manel estava
naquele dia mesmo com uma “secura na goela” expressão designada para a sua
sede, o seu vício. Enquanto Mariazinha transmitia o recado, dava as orientações
para que se apressasse, pois iria colocar a panela com água e iria migar a
couve para o acompanhamento.
Depois, desceu
a inclinada vereda, de inúmeros irregulares degraus, curvas pronunciadas sem
fim que contornavam hortas, muros de casas e levadas do seu destino. Chegou ao
centro da vila. Ao passar por uma viela, encontrara os amigos de disputas de
jogadas de futebol, de histórias loucas contadas em tabernas, onde os homens
com maior currículo contavam e acrescentavam linhas intermináveis à oralidade e
ao suspense. Ali estavam Jarreta e Melro Preto em abespinhada discussão de
troféus imaginários, de dias de glória e fama, de concursos de copos acelerados
á procura de um Guinness na tasca de um João da Corte.
- Venham daí
três secos!... Mais três ruços… Mais três de Jaqué… Mais…. Sem fim…
Quando deu
conta, o “mar já estava picado”! A ondulação vitícola, fazia-se notar no
caminhar descompassado, na viagem de regresso à sua Mariazinha do coração.
- Ah maldita
vida dos pobres que passam a trabalhar e nada têm! – resmungava. Depois de
ficar sem nada de valor na algibeira e nem se ter despedido dos colegas de
“aceleração”, foi com muito custo e sofrimento tentando apalpar
a vereda, os muros, inclinando-se ora a bombordo ora a estibordo, ne esperança
de não cair dentro da levada ou nas couves dos vizinhos. Ia tão bem carregado
que nem dava conta das bocas que lhe largavam pelo trajecto. Manel… prá frente
é que é o caminho… Manel, hui-hui … isso
está mal… Manel, vais com uma tosga…… Estaria já perto de casa quando se
apercebeu que não levava nem dinheiro, nem o milho para o almoço… Minha Nossa
Senhora e agora??? Passou-lhe uma coisa
pela cabeça e foi direito à pequena arrecadação do fundo do terreiro onde
guardava os restos dos materiais dos pequenos biscates da construção civil.
Depois deu com o saco branco da cal, meteu-o
debaixo do braço e rumou à cozinha. Sem ela dar conta, despejou o conteúdo na
panela que aguardava fervura. Naquele momento, Mariazinha entrou e viu a
argamassa começar a arreguar, e a ferver, salpicando com fúria tudo à sua
volta, Apercebendo-se da situação, a sua
companheira começou aos gritos chamando o seu marido de tudo o que vinha à
cabeça em matéria vernácula.
- Estuporzinho,
queres é matar-nos a todos, dizia!
Perante tamanho
alarido, alguém da vizinhança chamou a policia. Entretanto Manuel, achou que o
melhor era colocar uma pedra no assunto! Rumou ao fundo da fazenda, aconchegou
umas folhas de bananeira secas que estavam caídas no solo, e adormeceu em
balanços sem fim, até ser acordado e levado para a esquadra local. Ali passou a
noite, para acalmar os efeitos da sua sede e no outro dia, soltaram-no! Rumou então
à oficina de trabalho, esperou pela hora do almoço, pendurou uma corda na trave
mestra e suicidou-se. Cansado de tudo, cansado da miséria sem fim à vista,
cansado do mundo, partiu deixando as pequenas e a sua companheira de luta. E quantas lutas desde que tinham partido
ainda muito jovens para Moçambique, do regresso pós 25 de Abril, das filas para
receber míseros escudos do IARN, das suas meninas que viviam da caridade de
vizinhos, do trabalho que nada lhe dava em troca, Manel desistiu de viver.
Um ano depois,
um anjo levou Joana! Tinha apenas cinco anos, atropelada na Ponte Nova por um
indivíduo embriagado que no seu carro e sem escrúpulos, arrastou a criança até
à morte. Já a sua irmã tinha sido também vitima em Lourenço Marques de uma
situação idêntica anos antes. Quanto a Maria de Jesus ou melhor
Mariazinha, casou de novo mas a sorte
também não lhe sorriu, sendo vitima de constante violência no lar.
Nem sempre o
milho é branco e alvo. Por vezes aquilo por que passamos se transforma em negritude,
desilusão e pobreza, que o diga o casal que conheci. E andávamos todos naquela
época tão confiantes que a vida iria melhorar…
CAM-08-05-2013
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