O tempo e o vento
O
dia tinha realmente 24 horas! Bastava ver que o tempo era medido, no acordar
com o barulho na cozinha, pelo cheiro a café e a torradas que subia até ao
andar superior. Sabíamos que era hora de levantar quando o Sol inundava as
verdes venezianas, e os seus raios cintilantes procuravam uma nesga na madeira
para entrar nos aposentos. Depois
passava a manhã a pesquisar os montes, pequenas elevações do terreno onde
pinheiros bravos abraçavam-se ao sabor do vento. Por vezes parava, para escutar
o som do vento passando entre a folhagem de agulhas afiadas. Procurava pinhas,
colhendo no chão as mais perfeitas ou as que achava serem as mais bonitas. Era
certo que as minhas preferidas iriam acompanhar-me até à cidade, até que um dia
possivelmente de chuva no Outono, acabariam por ser pintadas de prateado para
decorarem a lapinha quando chegasse o Natal. As tardes eram cadenciadas como as
longas ondas que balançavam no oceano, entre o triângulo que ia da Ponta de
Santa Catarina, às Desertas e à Ponta de São Lourenço. Podia acompanhar os
pequenos veleiros, os “carreireiros” que levavam mercadorias de e para o Porto
Santo, desde que apontavam lá para os lados do farol até desaparecerem por
completo rumo ao Garajau e à cidade do Funchal. E havia tempo para seguir com o
olhar, o pequeno risco de espuma onde a proa rasgava o azul do mar. Depois à
medida que a noite avançava, ficávamos inertes, sentados no comprido banco de
cimento que formava a baia, no terreiro circundante à casa, seguindo o imenso
luzeiro de barcos de pesca na sua faina nocturna ou um paquete, que cruzando o
horizonte seguia o seu destino. A a
imagem, essa ficava no nosso pensamento e com ela os primeiros sinais de
sonolência ou um bocejar mais dramático e sonoro que nos conduziria ao vale dos
lençóis. E tudo em 24 horas!
Por
curiosidade, uma das pinhas acompanhou-me durante décadas a fio! Trouxe-a um
dia no fundo de uma mala, como se fosse uma pequena jóia preciosa. Estava
pintada de cor prata. Na parte inferior, a servir de suporte tinha um pequeno
quadrado de madeira, de modo a mantê-la sempre direita no presépio. Por baixo,
podia ver escrito a caneta com uma caligrafia infantil, o seguinte: - Água de
Pena – 1966.
Como
um búzio que se encosta ao ouvido e se tem a percepção de ouvir o mar, naquela
simples pinha, eu escutava os pinheiros assobiando ao sabor do vento, o cheiro
a resina e a brisa quente bailando sob o meu rosto. E tudo em apenas 24 horas…
CAM